Geralmente bandas de vertentes do Sludge possuem letras e temáticas mais introspectivas. Mas quando o hardcore é a veia propulsora dentro do estilo, o sludgecore é questionador e te coloca pra refletir. Confira o papo que tivemos com a banda paulista CRAS.
O EP ‘Desperato’ foi lançado faixa-a-faixa durante a pandemia, se adequando ao novo modelo de consumo de música. Vocês acreditam que hoje as pessoas não ouvem mais um trabalho completo? Pensam em lançar o material em formato físico?
(Hercules) Na verdade foi uma estrategia para ganharmos mais experiência com os lançamentos, pois tinhamos um total de zero experiência. E o mais legal deste aprendizado, foi que percebemos que ele nos ajudou na visibilidade da banda, sempre tínhamos algo novo para oferecer ao público. Sobre o consumo de álbuns completos o que percebemos é que o tempo que uma pessoa consome um disco completo é o mesmo que ela consome um single, nas plataformas de streaming. Porém acreditamos muito que este comportamento mude de plataforma para plataforma e que o material físico tenha um comportamento diferente de consumo.
Pelo menos é o que nós esperamos.
A novidade do ‘Desperato’ foi o som ‘The Price of Consent’ que tem uma pegada mais hardcore ao sludge da banda e lembra até algumas bandas clássicas do crust em dados momentos. Como se deu o processo de composição do trabalho como um todo? Fale um pouco sobre influências, instrumental, letras, gravação…
(Lucas) Realmente essa música, mais do que as outras do EP, teve muito mais influência de Crust e Neo Crust em sua composição, queriamos algo mais raivoso no instrumental dessa música, para contrastar com as partes lentas do EP, então muito da influência de Wolfbrigade, Amebix, Skitsystem, Rastilho, Discharge, Manger Cadavre está nessa música. Combinou muito com a letra, pois há mais raiva nessa do que nas outras faixas. Na letra, há um pararelo entre a situação horrivel que passamos com esse desgoverno nos ultimos 4 anos, e a criação de uma seita envolta desse tal “mito”, e o conto do Rei de Amarelo de Robert Chambers, nessa história, todos que tem contato com essa entidade (rei de amarelo) acaba ficando louco e coisas ruins acontecem, o que foi muito do que aconteceu no Brasil, Bolsonaro despertou o pior nas pessoas, e isso cobra um preço.
‘Beta’ é um som já lançado como single que contou com a participação da grande vocalista Mayara Puertas. Como se deu essa parceria? Vocês pensam em gravar novos sons com participações especiais?
(Marili) Eu e o Lucas fizemos aula de vocal com a May, então ela acompanhou boa parte do que o Cras foi construindo. Em umas das aulas, levei a letra de Beta, e instintivamente ela nos ajudou a estruturar alguns partes da música. E, o convite para a participação dela foi natural e ela aceitou na hora.
Para nosso primeiro full temos alguns nomes em mente, e queremos sim contar com participações especiais.
‘Desperato’ é um EP enérgico, mas que conta com certa melancolia em suas linhas de guitarra. Qual é o sentimento específico que vocês buscaram transmitir com cada instrumento e vocais?
(Lucas) a Melancolia é base na temática do Cras desde sempre, as músicas foram compostas em momentos bastante dificeis e nos ajudaram a expurgar muitas coisas. Acredito que o Cras é um local pra gente admitir e falar sobre coisas que não falariamos em uma conversa normal, então isso se traduz muito para a criação do instrumental, visto que geralmente a musica vem antes das letras, as linhas instrumentais é onde essas frustrações aparecem de forma mais pura, e aparecem não só nas notas mas na instensidade e força que tocamos os instrumentos, há muita tristeza, e particularmente algo de “eu versus eu mesmo” em todas as composições. Na questão técnica, nos tentamos ter bantante cuidado em mesclar essas duas maiores influencias que são antagonicas em velocidade, o Sludge/post-metal e o HC/Crust, então há uma preocupação real para conseguimos criar algo original. Com as vozes, o desafio é achar o contraste certo para as duas vozes, funciona muito bem, pois eu e Marili não necessariamente temos a mesma interpretação e leitura das letras, então isso reflete na forma que a gente canta.
A capa do trabalho nos transmite certo desespero, pois, respondendo a provocação de vocês: Não! Não sabemos diferenciar um ab0rto de um parto. Fato que nos faz refletir sobre como o corpo da mulher e as violências sofridas na normalidade nos são incômodas. Como vocês definiram essa capa? Falem um pouco sobre o processo artístico.
(Hércules) Como o Lucas comentou anteriormente a “Cras é um local pra gente admitir e falar sobre coisas que não falariamos em uma conversa normal”, com isso nos abrimos para expormos dores que são muito intimas e particulares. Muitos vezes, este exercício se expande e acaba envolvendo nossos familiares mais próximos e em um destes momentos minha esposa me disse que se o EP tivesse um gênero ele seria feminino, pela forma que ele abordas as dores, mas sempre tenta reagir trazendo o contra ponto da força traduzida nos momentos mais pesados e intensos das músicas. Depois desta fala eu e ela, que já havia feito a ilustração do single Beta e participou do clipe. Começamos a explorar o que seria o momento mais complexo que uma mulher pode passar em vida e nos deparamos com um parto. Um momento tão significativo e violento para o corpo que um homem não seria capaz de resistir fisicamente aquelas dores e ao mesmo tempo é um dos momento onde é mais comum a violência obstétrica. Não precisa ir longe para descobrir casos de mulheres que sofrem e guardam traumas caladas deste momento único, e que ao contrario do que vendem não tem nada de mágico. Quando chegamos a esta conclusão, ela sugeriu usar uma foto do parto do nosso último filho, para ilustrar que a sociedade nos corrompe e ilude tanto que não somos nem mais capazes de diferencias um nascimento de um aborto, E que este distanciamento só serve para garantir que cada vez mais mulheres sofram caladas ao trazer uma vida ao mundo, ou ao perder a vida que elas vinham gerando dentro delas.
Vocês, incrivelmente, conseguiram fazer inúmeras apresentações durante 2020, o que é um grande feito para uma banda nova e que já começa com uma qualidade ímpar de sonoridades. Falem um pouco sobre a importância da estrada para a maturidade das bandas e como vocês fazem para conseguir tantos shows.
(Cris) A estrada é fundamental para elevar a banda para o próximo nível, vendo bandas mais experientes de perto, os equipamentos que utilizam, os comentários da galera, na minha opinião esses são alguns fatores que ajudam bastante nesse processo de amadurecimento.
Sobre os shows, nós tentamos aproveitar todas as oportunidades possíveis para tocar, conhecer e reconhecer as bandas e pessoas que nos identificamos. Como estamos sempre presentes nos shows dos amigos, muitos convites acabam acontecendo de forma espontânea, tanto para shows quanto para participações como no caso da Mari e do Lucas que já cantaram com o Manger Cadavre, RNS e Inraza.
O que podemos esperar do CRAS daqui pra frente?
(Cris) Iniciamos os trabalhos de composição do nosso primeiro full album, temos planos de gravar e lançar em 2023. E claro, tocar ainda mais para conhecer outras cidades e Estados do Brasil.
Muito obrigado pela atenção! Esperamos vocês em Recife assim que possível. Esse espaço é de vocês, deixem um recado final.
Parabéns pelo seu trabalho no “O Colecionador”, é muito completo e o conteúdo é de altíssima qualidade.
Para finalizar, gostaríamos de agradecer pela oportunidade única e comentar que, tocar em Recife é um sonho nosso e o Abril Pro Rock é um dos maiores festivais do país, ficaríamos muito honrados de visitar Pernambuco. Abraço a todos, cuidem-se e apoiem as bandas nacionais.
Siga a CRAS nas redes sociais:
Instagram: https://www.instagram.com/crasofficial
Facebook: https://www.facebook.com/crasofficialband
YouTube: https://www.youtube.com/crasbandofficial