O mercado de eventos acabou? Uma reflexão sobre o setor

O sucesso de um show, espetáculo, festival ou feira está diretamente relacionado com a circulação de público. Sendo assim, desde que medidas de distanciamento social para conter a pandemia do novo coronavírus foram colocadas em prática no Brasil, em março de 2020, o setor de eventos está entre os mais prejudicados. Justamente pela característica de promover o encontro entre pessoas deve seguir em um cenário de incertezas e prejuízo, pois mesmo uma retomada exigiria protocolos que restringem o número de gente na plateia e também de profissionais envolvidos na organização. É justamente esse segundo grupo, conhecido por “graxa” e fora de cena há mais de seis meses, que tem sofrido nos bastidores. Enquanto a crise no setor já é notória, uma gama de trabalhadores que atuam no meio (como roadies, iluminadores, produtores, assistentes de palco, seguranças etc) sofre sem reconhecimento. E diferentemente de quando estão em ação nas coxias, em que o anonimato é condição para o bom andamento dos trabalhos, a invisibilidade do momento só revela falta de perspectiva e de políticas adequadas para atravessar a fase ruim.

Com o intuito de discutir o momento vivido pelo mercado de eventos, o produtor técnico Sergio Caldas resolveu lançar luz sobre as dificuldades enfrentadas por prestadores de serviço da área em um vídeo. O material traz declarações de trabalhadores do setor e problematiza a situação atípica. A ideia surgiu de conversa com amigos e colegas do meio.

— Esse filme é uma reflexão surgida de conversas com amigos que trabalham no setor que, assim como eu, foram seriamente afetados por essa parada brusca nas atividades. Milhares de profissionais ficaram sem trabalho e sem perspectiva, e ainda não existe um plano de retorno. Isso nos faz questionar as condições de trabalho no mercado e também o futuro das nossas carreiras — avalia o Sérgio, que também atua como diretor e produtor audiovisual.

Conforme pesquisa nacional, feita pela União Brasileira dos Promotores de Feiras (Ubrafe) e a Associação Brasileira de Empresas de Eventos (Abeoc), em parceria com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), 98% do setor de feiras, congressos e eventos foi afetado pela paralisação das atividades devido ao covid-19. O estudo foi divulgado em abril e teve participação de mais de 2,7 mil entrevistados. Cerca de 62,5% das empresas esperavam reduzir o faturamento entre 76% e 100%, outras 9% previam queda de receita de 51% a 75%, enquanto 4,5% alegaram que o faturamento iria cair entre 26% e 50%.

É preciso destacar que esses números têm relação direta com 7,5 milhões de empregos (diretos, indiretos e terceirizados), de acordo com o II Dimensionamento Econômico da Indústria de Eventos no Brasil — 2013, realizado pelo Sebrae. A mesma avaliação revela ainda que o setor responde por 4,32% do PIB nacional.

O show deve continuar. Mas como?

Assista ao vídeo aqui: https://bit.ly/34PNjjX.

Eles Estão Revolucionando a Mídia Musical Independente

Com a popularização de plataformas de vídeo streaming, como a Amazon e a Netflix, e mesmo o crescimento de conteúdos em canais de YouTube, o nosso modo de consumo de entretenimento mudou. A música continua em nossas vidas, mas o seu consumo também está diferente. Não ouvimos mais discos completos, demos lugar a playlists com variações de bandas e estilos, as gravadoras perderam sua força e influência na mídia televisiva, o que acarretou no quase fim dos programas musicais na TV aberta. E o que isso influencia na cena brasileira? Em tudo.

ANGRA no MUSIKAOS (2002) - Arquivo KZG - YouTube


O metal e o hardcore, que nos anos 90 e 00 lotavam estádios, eram temas de filmes e novelas, influenciou muitos jovens a começar a sua banda e criar sonoridades únicas em nosso país. Apesar de serem estilos que em poucos momentos tiveram holofotes, em canais como a MTV, ou programas como o Musikaos e Alto Falante na Tv Cultura, ou mesmo o Clipper com a Drika Lopes, os timbres pesados e a rebeldia inflamavam os jovens. Hoje, temos adolescentes que acham que o rock em geral é algo ultrapassado, conservador e, por que não, fora de moda. Esse é um dos (e não apenas o único) motivos da não renovação do público.

Na contramão das tendências, temos as bandas guerreiras que continuam produzindo seu som honestamente, selos, portais e blogs, como esse singelo colecionador, fanzines e revistas que insistem e mantém o cenário independente com a chama acesa, apesar do vendaval que teima em apagá-la. No entanto, hoje, eu gostaria de dissecar um pouco do trabalho fundamental que tem salvado a quarentena (e a saúde mental) de muitos: os canais de Youtube!

São inúmeros os coletivos ou indivíduos que tem produzido conteúdo que exaltam o underground brasileiro e, aos que gostam de exaltar produções estrangeiras, as feitas por essa galera não ficam nenhum pouco atrás no quesito qualidade, curadoria e inovação na forma de tratar a música. Sem competição, um puxando o outro, para que todos tenham visibilidade. Quem ganha com o trabalho duro desse pessoal, é a cena que se fortalece e alcança novas pessoas que talvez venham a participar de shows no pós pandemia.

Não é fácil, nem barato ter um canal. Equipamentos são caros, é necessário desprender tempo para pesquisa, roteiro, edição, divulgação, entre tantos outros itens trabalhosos que nos são alienados quando consumimos. Justamente por isso, essa matéria tem a finalidade de apresentar alguns dos canais que mais tenho acompanhado nesse período de quarentena e espero que sejam importantes a vocês também.

KAZAGASTÃO

Produzido pelo mestre do jornalismo musical Gastão Moreira, o Kazagastão é um programa que aborda o rock em geral, mas não esquece das pequenas bandas. Gastão é apaixonado por música, por isso a qualidade é um item essencial na sua curadoria. Com diversos programas na grade, funciona como um canal mesmo e o meu favorito é o KZG Recomenda.

CENTRAL PANELAÇO

O programa do João Gordo, com entrevistas amistosas e promoção do vegetarianismo, Panelaço se reinventou durante a pandemia com a nobre atitude do Gordo em destinar a arrecadação das entrevistas do programa Clube do Risco para o projeto Solidariedade Vegan, que distribui marmitas para pessoas em condição de rua em São Paulo. Com espaço a vários nomes da cena independente, esse programa é a minha recomendação.

CANAL SCENA

Provavelmente o principal canal de conteúdo sobre bandas independentes, conta com um grande coletivos de pessoas que doam o seu trabalho para dar visibilidade às bandas undergrounds. O canal tem programação quase que diária, com programas incrivelmente bons e qualidade de áudio, vídeo e edição ímpar. Dentre podcasts, vídeos longos e curtos, o carro chefe é o Ao Vivo. Se você quer conhecer bandas que tem um som fuderoso além de tudo aquilo que compõe o underground, esse é o seu canal.

UNLEASHED NOISE RECORDS

Canal focado no punk e suas vertentes, conta com entrevistas com perguntas muito bem formuladas como carro chefe e estímulo a visibilidade do som produzido por pessoas pretas dentro do underground. Dirigido por Leandro, também possui quadros colaborativos com indicações de filmes, zines e discos. Canal pra quem tem o senso crítico apurado e aberto ao diálogo.

GOBLIN UNDERGROUND TV

Canal que conta com alguns programas, focado em metal e que tem como principal tipo de conteúdo entrevistas e captação de apresentações ao vivo de bandas (antes da pandemia). Como diferencial, indico o programa Garotas no Front, em que a presença da mulher no metal é debatida em diferentes óticas.

BAILE DO CAPIROTO

Canal apresentado por Igor Giroto, que tem como principal conteúdo a dissecação de álbuns ou discografias de bandas. Sempre ilustrados com materiais físicos, os vídeos focam principalmente bandas independentes. O canal também conta com podcasts. Pra quem quer se aprofundar nas histórias das bandas, o canal é um prato cheio.

FLASHBANGER

Inicialmente focado em cobertura de shows e entrevistas nos mesmos, o canal tem Steph Ciciliatti como âncora. Conteúdo descontraído, lembra coberturas e quadros da finada MTV. Destaque para a qualidade das produções e conteúdo variado, como moda, dicas de divulgação e indicações. Apesar da pausa devido a pandemia, as entrevistas “de campo” são o grande forte da simpática e irreverente Steph.

HEAVY METAL ONLINE

Gerido pelo Clinger, é um canal dedicado a divulgação de bandas do cenário underground nacional e aborda os acontecimentos que envolve o meio, divulgando a apresentando novidades e atrações. Reserva espaço para cobertura de eventos, com reportagens, cenas de shows, bastidores e entrevistas. Durante a pandemia, as lives com debates tem sido o grande destaque.

MULHERES BRUTAIS: A Realidade das Vocalistas do Som Extremo

O dia é o “mundial” do rock que só é comemorado no Brasil, mas isso não é demérito, pois o nosso país é extremamente rico quando se trata de bandas em suas mais variadas vertentes. Quando fazemos o recorte para o underground, o cenário fica ainda mais atrativo, na medida em que o não vínculo com os modelos prontos de sucesso de gravadoras e mídia mainstream reforçam a criatividade das bandas.

Nessa data, eu quis trazer um assunto que não é tão explorado pela mídia (mesmo a independente que em muitos momentos comete deslizes por resquícios de machismo ou por qualquer outro motivo): o vocal extremo feito por mulheres.

Tati Klingel – Foto por Melissa Giowanella

É natural que ao conhecer bandas de vocais femininos no metal ou mesmo no hardcore, se associe os timbres mais palatíveis, ou, eventualmente o berrado como no caso do riot grrrl (e nem isso é uma regra). A imagem da mulher na música por si só já afasta alguns headbangers da ação de “soltar o play” ou comparecer a um show, sem mesmo ouvir o som da banda. Isso sem contar as inúmeras ações patéticas que nós, homens, tomamos ao conhecer mulheres no som extremo, como as famosas entrevistas para saber se a ela realmente curte som, a sexualização, elogios ao corpo e visual, deixando de lado o essencial, que é o som, dentre tantas outras.

Um dos exemplos que eu gostaria de ressaltar é o “elogio”. Quem de nós, ao se deparar com uma vocalista que use técnicas como o gutural, por exemplo, não falou ou não ouviu algum amigo dizer que “o vocal é mais grave que de homem”, ou que “canta mais grosso que macho”, ou fez piadas sobre como seriam os “orgasmos em gutural”? Peço perdão pelos exemplos esdrúxulos, mas isso é algo bem comum, e que poucos entendem não ser elogio e muito menos que seja uma piada engraçada. Pelo contrário.

Exaltamos muitas vocalistas como Angela Gossow, ex-Arch Enemy e Candance Kucsulain, do Walls of Jericho. Falamos de professoras estrangeiras como Melissa Cross, que guia grandes nomes do metal nos Estados Unidos. Mas pouco nos referenciamos com nomes nacionais que são de muita qualidade.

Para falar sobre o vocal extremo feminino, conversamos com duas professoras de canto, que são especializadas em vocais do gênero, sendo uma delas também vocalista e mais duas convidadas do cenário hardcore e metal.

INÍCIO NO VOCAL EXTREMO

Nata a frente da Manger Cadavre? – Foto por Pei Fon


Nata Nachthexen e Steph Nusch são dois exemplos de vocalistas que variam timbres dentro do extremo. A primeira dentro do hardcore e a segunda, no metal possuem trajetórias divergentes, mas que convergem em alguns aspectos. Há quase uma década à frente da Manger Cadavre?, Nata só pôde contratar aulas particulares nos últimos dois anos e isso fez uma enorme diferença em suas músicas.

“Quando eu comecei na banda, não sabia tocar nada, mas meu melhor amigo queria que eu fizesse parte. Então foi ele quem me ‘ensinou’ a cantar incialmente. Por sorte, eu encontrei uma maneira de berrar e urrar que não machucasse as minhas cordas vocais, no entanto, por não ser a maneira correta, eu saía exausta dos ensaios e shows e não tinha muita potência. Era tudo muito novo e no correr dos anos percebi que cheguei ao meu limite de evolução autodidata”, conta Nata sobre como encontrou seu vocal.

A falta de referências femininas no meio é outros fator impeditivo para que tenhamos tantas vocalistas extremas no país. Steph, que é a frontwoman da banda Inraza, por sua vez, teve como principal dificuldade a falta de autoconfiança. Ela indicou que o medo da exposição e de se machucar ao fazer os vocais, por não possuir conhecimento de técnicas, foram os principais pontos que a impediram de começar antes.

Tati Klingel que foi vocalista da Mercy Killing e atualmente está à frente da banda Hokmoth de Black Metal e, recentemente, trouxe ainda mais brutalidade para o death metal da Divine Pain, também é professora de canto. Ela nos contou um pouco sobre o processo para exercer as duas funções, pois uma das maiores dificuldades que encontrou, foi a busca de profissionais que a guiassem nesse estilo para que ela berrasse e não colocasse sua saúde vocal em cheque.

“Eu comecei como vocalista há 17 anos atrás, e em um momento senti a necessidade de aprimorar técnica vocal. Comecei a fazer aulas de canto lírico, e depois de 6 anos estudando, consegui entender como eram produzidas as distorções vocais. A princípio ensinava de brincadeira para alguns amigos, até que surgiu a oportunidade de ensinar profissionalmente, por indicação da minha professora Sandra Bahr. Levo comigo todos os aprendizados que tive com ela, e com o tempo fui aprofundando ainda mais os conhecimentos vocais. Quando fiz parte da Mercy Killing, consegui entender muito bem como era o processo de cantar frases muito longas e rápidas, e com a Hokmoth e a Divine Pain eu priorizo texturas vocais, além de transição de graves e agudos. Com o tempo procurei transformar uma linguagem técnica em algo mais sensitivo, fazendo com que a pessoa crie um autoconhecimento do seu corpo. Não paramos para pensar quando estamos respirando, e para cantar precisamos contrair músculos específicos da respiração. Apenas o fato de a pessoa prestar atenção em sua respiração, e sentir todos os músculos que se contraem, já cria uma estrutura apropriada para soltar a voz.”

Tati Kinglel no Maniacs Metal Meeting. Foto de Melissa Giowanella


Já a professora Luane Caravante (que também é professora da Nata e muitas outras vocalistas excelentes, como Elaine Campos, que já falamos aqui no blog) nos contou que, assim como a Tati, a maioria de seus alunos são mulheres, pois seu networking é mais voltado a esse público. No entanto, ela nos elucidou que a busca por aperfeiçoamento vocal é maior quando se trata de mulheres, pois a cobrança em cima das mesmas é mais pesada que para homens. É preciso estar sempre em evolução, pois as críticas são mais ferozes.

ERROS E VÍCIOS VOCAIS

Um dos principais problemas de quem se aventura no campo do gutural, pig squeals, drive ou mesmo os berros, é perder a voz após os ensaios e shows. Diferente de Nata, que foi aprendendo no dia a dia e buscou aulas para aperfeiçoamento, Steph nos contou que sempre teve essa preocupação e buscou apoio com a professora Mylena Monaco (que também é vocalista da banda Sinaya).

Nata nos abriu que um de seus maiores problemas antes das aulas, era conseguir fazer uma longa sequência de shows com a mesma potência ou mesmo manter-se firme perantes as mudanças climáticas de um estado para o outro. No final das tours, os graves permaneciam, mas muitas vezes sem a explosão que é um dos grandes fortes de sua performance. Isso foi corrigido com exercícios de aquecimento e impostação correta da voz, pois a mesma usava o peito e não o palato mole. Steph indicou o fôlego como o maior deafio que precisou aprender a lidar nesse tipo de vocalização.

“É necessário entender como controlar melhor a respiração e a administrar o ar. Fora isso, a presença de palco. Precisei assistir a muitas referências e a começar a fazer exercícios físicos regularmente pra aguentar o “tranco” que seria fazer um show ao vivo, uma performance mesmo.”

Steph com Inraza – Foto: Divulgação Facebook


Luane nos indicou que os grandes erros que os vocalistas em geral executam ao adentrar a esse campo são utilizar força excessiva na vocalização, impostar totalmente na garganta e, literalmente, gritar e puxar o ar para emular distorção. Tati explicou um pouco mais sobre esses vícios:

“Os motivos de aparecerem vícios de voz são muito variados. Em iniciantes, quando a pessoa arrisca aprender sozinho ou apenas olhando vídeos na internet, acaba apertando a laringe na tentativa de deixar a voz “rouca” para tentar produzir um gutural, causando um estresse nas pregas vocais. Ou quando a pessoa canta há muitos anos, mas nunca fez aula de voz, tem novamente o problema de tensionar a laringe, e normalmente, esta tensão tem relação com a respiração que não está sendo feita de forma consciente. Dependendo do tempo que a pessoa canta, pode demorar mais para deixar o vício de tensionar a laringe na produção de distorção vocal. Porém, com paciência e bastante exercício, é tranquilo para “ajeitar” as técnicas.”

VÍDEOS COM DICAS E SEUS PERIGOS

Muitos vocalistas, sejam homens ou mulheres recorrem a canais no YouTube que dão dicas de como cantar. Assim como alertou Tati, a prática pode ser perigosa, pois, ao não contar com um profissional que estará atento a todas as questões que envolvem a vocalização, pode-se estressar as pregas vocais. Tratando o assunto como se fosse uma receita padrão, por mais que sejam bem-intencionadas, as dicas podem ser nocivas.

Nata diz que quando pedem dicas a ela, a única resposta possível é: faça aula, ou tente sozinha mas com cuidado. Ela não gostaria de ser responsabilizada por um dano a voz de alguém. E ela está correta em recusar-se, pois eles podem ser graves. Luane concorda com Nata e diz que esses canais não dão a base em técnica vocal necessária para que o aluno entenda sua musculatura e execute os exercícios corretamente, e também porque não á suporte de um profissional para apontar os erros, nisso há sim o perigo do cantor se lesionar nos treinos, desenvolver vícios e até aprender técnicas incorretas.

Além disso, muitos desses canais não são de pessoas com capacitação no ensino de canto, nisso certos métodos podem ser arriscados. Steph diz que não acompanha nenhum e que também indica a prática de aulas, no entanto aponta o fato de que a maioria dos grandes vocalistas do estilo que nós conhecemos também não desenvolveu a técnica de maneira assistida, mas é preciso respeitar alguns limites.

EXISTE VOCAL EXTREMO FEMININO OU MASCULINO?

Como iniciamos o texto, é uma prática comum comparar as vocalistas do extremo com homens, no elogio que acaba soando pejorativamente, de que “berram mais que homem”. Mas existe uma diferença biológica nesse tipo de vocal? As profissionais da área explicam:

“Toda e qualquer pessoa consegue fazer vocal extremo, isso não depende do sexo. Apenas há uma diferença de timbre vocal, a qual tem relação com o alcance de graves e agudos, que por sua vez tem relação com a anatomia da laringe. Quando observamos crianças conversando, dificilmente iremos conseguir diferenciar o timbre vocal feminino ou masculino. Apenas começamos a notar a diferença a partir da primeira muda vocal, que ocorre na adolescência, devido a mudanças hormonais, a qual é condicionada geneticamente. Na puberdade, em ambos os sexos ocorre uma diminuição da tonalidade, caracterizando a voz adulta. A tonalidade da voz adulta é algo muito individual, e em geral, as pregas vocais masculinas são mais grossas e elásticas, vibrando em menor frequência. Em contrapartida, pregas vocais femininas são mais finas e tensas, vibrando em frequências mais altas. Mas isso não impede de homens cantarem em tons muito agudos, ou seja, treinarem a capacidade de “esticar” as pregas vocais, assim como mulheres fazerem voz mais graves, “encurtando” suas pregas vocais. Sendo assim, ao longo dos anos observei que homens tem mais facilidade de fazer vocais extremos mais graves, enquanto que mulheres apresentam mais facilidade de fazer vocais extremos mais agudos. Porém, com um trabalho de fortalecimento de musculaturas da laringe para aumento de alcance vocal, ambos os sexos conseguem atingir vocais extremos de todas as tonalidades (grave, médio e agudo).” Explica Tati.

Luane Caravante – Professora com 12 anos de experiência em canto e composição

“A diferença é a extensão (o quanto você consegue cantar do seu extremo grave até o extremo agudo) que pode variar conforme o sexo pela constituição da musculatura do trato vocal.  Porém isso é relativo dado que existem mulheres com extensōes com bons graves (meu caso inclusive) e homens com excelente alcance de agudos, todos oriundos de treino. Lembrando que em gutural nós trabalhamos com timbres, não notas, e isso faz com que a distorção nas frequências torne um tanto irrelevante o gênero.” – completa Luane.

Steph acrescenta que há um preconceito de gênero no ambiente. Sempre que uma mulher ousa desafiar papeis desempenhados, acaba incomodando muitos homens, principalmente aqueles com a masculinidade frágil. Nata, por sua vez, diz que a mulher precisa ser três vezes mais qualificada para permanecer nesse ambiente.

“O cenário extremo é complicado, na medida em que é majoritariamente masculino. Quando uma mina está à frente de uma banda, o primeiro comentário será sempre relacionado a sua aparência física, depois a análise do vocal será duramente mais implacável que a para um homem e, em terceiro lugar, a postura será sempre julgada. Se é mãe, não deveria ter banda, pois deveria estar com os filhos. Se é namorada ou esposa, está se aparecendo pra um monte de macho. Se é educadora, não está dando bons exemplos para os alunos e assim vai. Há um julgamento que objetifica o corpo como propriedade, a análise da qualidade vocal (como se todas tivéssemos o mesmo tempo e dinheiro disponível para nos dedicar ao aprimoramento do vocal, mas ai já entramos na questão de divisão sexual do trabalho) e por fim, o moral (por mais bizarro que seja). – Desabafa Nata.

“É muito comum eu ouvir das pessoas que elas não esperavam que essa voz saísse de mim (risos). O vocal extremo está parando de ser mistificado só agora. Acredito que isso aconteça devido às mulheres, que estão tendo mais destaque na cena e mostrando como é tudo uma questão de técnica.” – Comenta Steph.


CRESCIMENTO DE MULHERES COM VOCAIS EXTREMOS NA CENA BRASILEIRA

Apesar do recente crescimento no número de mulheres com vocais extremos no Brasil, o número ainda baixo se comparado ao de homens. Nata nos orienta a buscar a página União das Mulheres do Underground para conhecer o trabalho dessas mulheres.

Luane resume a causa em apenas uma palavra: machismo. Ela acrescenta que mulheres são desacreditadas como ouvintes, compositoras e performers de música extrema. “Você precisa cantar 10 vezes melhor que um homem na mesma posição, e sofrerá 100 vezes mais cobrança caso cometa algum erro, por menor que seja. Sua roupa, postura e fala são constantemente analisados”. Há ainda a questão de ego e disputa de atenção, ela conclui: “Bandas majoritariamente masculinas tendem a recusar vocais femininos também com a desculpa de que tiraria o foco da dos instrumentistas. Eu mesma tive problemas e encontrar bandas pois, quando conseguia, não podia contribuir com nada além da voz, mesmo tendo educação musical e compondo.”


Mesmo com o ambiente que pode soar com certa hostilidade, há uma rede de apoio para mulheres que queiram começar a cantar no estilo mais brutal. Além da União das Mulheres no Underground (Instagram @uniaodasmulheresnounderground), Tati indica os canais Headbangueira (Instagram @headbangueira), Lvna (Instagram lvna.art), Garotas do Front (@garotasdofront), entre outras. Nesses espaços você encontratá a maior parte das bandas em atividade com mulheres no front.

UMA POR TODAS E TODAS POR UMA

Sabemos que nem sempre é possível fazer aula devido a condições financeiras. Por isso, nossas entrevistadas deixaram algumas sugestões para que você comesse!

Nata Nachthexen:

“Busque conhecimento! Antes de sair berrando, procure canais de professores. Por mais que não seja tão efetivo como contar com alguém que está ali junto com você, é mais seguro para a sua saúde vocal seguir conselhos de quem é profissional na área e não apenas um vocalista. Eu, geralmente não dou dicas, pois não conto com o embamento teórico necessário para isso. Comecei assistindo os DVDs da Melissa Cross que me ajudaram até certo ponto, depois aprendi algumas coisas por conta por tentativa e erro (se tava doendo, tava errado, mas a ausência de dor não significava que estava correto), mas só consegui uma evolução notável depois que comecei as aulas com a Luane. Mas esse processo demorou 7 anos, até que eu tivesse alguma estabilidade financeira para isso.”

Steph Nusch:

“Tente ter bastante consciência do seu corpo. Se doeu, para. Tá errado. Não é pra machucar, em hipótese alguma. Entenda que o microfone faz um papel muito importante. O som que você vai fazer é muito mais baixo do que você imagina, e o microfone que vai fazer ele ficar mais encorpado e alto. Além disso, todas as gravações que você ouve tem muuuuitas dobras de voz pra soar daquele jeito. Então não exceda os seus limites, porque muito disso é ou tratado pela mix e master, ou, no caso do ao vivo, potencializado pelo microfone mesmo.”

Luane Caravante:

“Não imitem o estilo vocal de ninguém, procurem material sobre fisiologia da voz, exercícios de aquecimento, respiração, articulação, e crie uma rotina para estudo. Treinem primeiramente canto popular (limpo), não se exceda e, se puder, peça orientaçōes para amigos que já cantem profissionalmente. Não caiam em “cante gutural em 5 minutos” no Youtube. Procurem oficinas de canto em centros culturais (algumas atualmente são online) e canais de professores de música com orientaçōes sérias. Com o tempo, é possível inserir as distorçōes na sua rotina, até chegar no gutural e suas variantes.”

Tati Klingel

“Bom, a maneira como eu comecei não era a mais indicada, mas eu não seria vocalista de banda se não tivesse arriscado imitar vocalistas que tinham uma técnica muito boa de gutural. Então, o que eu posso recomendar é: tenha coragem, arrisque, vai lá e faça. Mas claro, com cuidado, sinta tudo o que você está fazendo, procure referência em vocalistas que você sabe que são técnicos. E quando tiver condições, procure um profissional para te ajudar, pois isso irá fazer com que você evolua ainda mais. Comigo foi assim, eu arrisquei, e fiz, mas chegou um momento em que eu precisava e podia investir para melhorar. Monte banda, cante em karaokê, cante no chuveiro, cante com os amigos, cante no show, viva cantando, que só a prática vai fazer você conseguir mostrar a voz para o mundo.”

Luane está com uma ação em que responde gratuitamente algumas dúvidas sobre vocais extremos em seu Instagram. Siga @lcaravanteaulasdecanto e fique por dentro das orientações de quem sabe!



O Underground está reproduzindo os valores de mercado?

Com essa pergunta retórica, infelizmente escrevo um texto repleto de chateação. O cenário independente em muitos âmbitos está, ou sempre esteve reproduzindo a lógica do mercado capitalista. É como se a cena fosse uma grande empresa (curiosamente ninguém ganha nenhum dinheiro aqui) e as bandas fossem funcionários de uma empresa querendo se matar, competindo entre si, agindo na má fé (muitas vezes usando a camiseta e merch das próprias bandas que os mesmos tentam queimar).

Aqui em Recife há uma moçada, uma juventude que realmente quebra esse paradigma, assim como na velha escola que faço parte. Estou velho, admito, mas ainda vou a shows, compro merch, leio zine e sempre que o trabalho me dá uma folga, escrevo no zine com minha esposa (o blog é algo nosso e às vezes, de alguns amigos). Mas um dos motivos desse texto, é para expressar como é exaustivo abrir o Facebook e só ler gente de banda que deveria ser grata a tantas outras pessoas que ajudam e fazem tudo por elas, ficarem mandando indiretas, falando de falsidade, minando relações e pouco fazendo pelo coletivo. Isso não é exclusivo da nossa cidade.

Em todo o cenário nacional há muita gente que trabalha muito e trabalha duro pelo coletivo, mermão. São pessoas que tentam contribuir com algo para sair da rotina que esmaga. Eu, como homem negro, tento trazer alguma contribuição. Minha esposa, como mulher periférica que veio do norte, suas vivências. E, sim, essas visões e vivências estão em nossas resenhas.

Essa última semana fui chamado de burro, de ignorante, isso sem contar as ofensas xenófobas, pelo título da entrevista com a banda Klitores Kaos, na qual eu disse que era Hardcore da Amazônia. Em primeiro lugar, Belém do Pará fica na região da Floresta Amazônica, segundo Amazaonas é o estado. Me parece que esses que me trataram com escárnio fugiram das aulas de Geografia. E mesmo que eu estivesse errado, preconceito intelectual é algo que não deveria estar nessa turma dita progressista, mulheres com bandeiras feministas, homens que compartilham conteúdo antifascista.

O que quero dizer com isso tudo? É que um dos grandes motivos de eu ter diminuído a frequência de publicações do blog é por admirar o trabalho, o som de muita gente, mas suas personalidades virtuais são exaustivas. Entendam, isso não é uma competição. Se tem um problema com alguém, converse e resolva. Se não resolver, indireta é algo de guri, de piá, como dizem os sulistas e só deixam um clima horrível pra quem nem tem nada a ver com a situação. Tratem coletivos com respeito, não saiam falam mal de algo que deu errado, cobrando profissionalismos que são impossíveis de se executar em dadas circunstâncias. As pessoas que receberam a sua banda fizeram o melhor que puderam e se algo não deu certo ou te incomodou, explique. A tendências é de que os erros não se repitam. Sejam gratos a quem te apoia ou apoiou. Se você chegou a tal lugar certamente não foi sozinho. Zines, blogs, organizadores de gigs, público… Cada um que compartilhou seu som ou fez algo por você, que seja compartilhando conhecimento, foi um impulso. Emendando a isso: não use pessoas como escada. Até porque se você quer chegar ao Rock in Rio, é justo ter esse sonho, mas não é agindo igual a um puxa saco de escritório que isso vai acontecer, nem pisando em ninguém, muito menos derrubando outras bandas. Pense no coletivo. Entenda a realidade de cada lugar. Esse conselho é principalmente para as bandas que vem de fora.

O mundo atual parece gostar mais de polêmicas que de trabalho sincero, mas é por esse motivo também que muita gente está deixando o circuito. O micro reproduz o macro, mas vocês estão tornando isso cada vez mais insuportável.

Respeitem a história e a vivência de outras pessoas. Muitas vezes elas contribuem muito mais para a sociedade ou causas sociais que o seu antifascismo de redes sociais. E esse não é um discurso moralista. É só um desabafo de alguém que pretende mais uma vez sair dessas comunidades virtuais. Sei que na prática a quantidade de pessoas que são propositivas é muito maior que essas poucas que tem tanta voz, mas como elas conseguem nos desanimar.

Quanto a nós, seguiremos publicando. Aos amigos que nos conhecem, nosso muito obrigado. Aos demais, vamos permanecer sem rosto. Saí do Facebook há 2 anos pelo o que ele se tornou e ao voltar, vejo que só piorou.

O Underground Unido Pelo Antifascismo

Tenho conversado com amigos de todas as regiões do Brasil e chegamos a uma conclusão comum: a única coisa boa desses tempos totalitários, é que as bandas e coletivos seja do punk, metal ou mesmo de outras vertentes musicais, como o rap e o reggae, tem deixado as individualidades e diferenças de lado e formado uma frente posicionada contra Bolsonaro e o fascismo instaurado. Até mesmo os isentões de uma forma ou de outra deixaram claro de que lado estão.

A cada voz que tentam calar como a da banda Escombro, do BNegão, da Föxx Salema entre outros, são muitas outras que se unem e ecoam a mensagem contra o sistema opressor representado por um fantoche dos Estados Unidos, que tem como missão a destruição do nosso país e o roubo das nossas riquezas.

Por mais que existam alguns idiotas que, mesmo depois de todo o golpe escancarado e investidas contra os direitos do povo trabalhador, ainda continuem a ser gado dessa corja, no circuito independente eles não são maioria. Infelizmente só são pessoas que tem mais holofote que todas aquelas que fazem um trabalho posicionado, forte e honesto. Eles devem ser combatidos e silenciados.

Nosso Nordeste resistiu e não se entregou às falácias milicianas e neoliberais. Nosso underground não se deixou contaminar por uma falsa luta contra a corrupção para justificar o injustificável.

São eventos como Hardcore Contra o Fascismo, Facada Fest, a volta de zines, ilustradores, falas e ações diretas em apresentações, grupos como Headbanger Antifa, Brigada Metal Antifa sendo atuantes na propagação da mensagem… Estamos nos mobilizando. Porém isso tudo ainda é pouco. Somente com o povo na rua as investidas de Bolsonaro, Militares e toda a sua corja serão paradas.

Se a luta contra Bolsonaro conseguiu quebrar os preconceitos de gênero musical, colocando do mesmo lado punks, headbangers, straight edges entre outros, agora a missão é pensar além. Como ajudar aos movimentos sociais que parecem estar apáticos? Como ter força para impedir que destruam o mínimo que o nosso povo possui? Não tenhamos medo. Devemos sair da internet e ter essa força nas ruas.