Com mais de três décadas de estrada, o Ação Direta lança este mês seu novo disco, Na Cruz da Exclusão, que sai numa parceria da Monstro Discos com a Xaninho Discos trazendo uma homenagem à banda Dorsal Atlântica. A versão de ‘Caçador da Noite’ também ganhou um videoclipe já disponível no YouTube.
“Na Cruz da Exclusão” se inicia com com o som “Devorar”, que conta com uma intro tensa, que dá lugar a batidas insanas e um berro transtornado. “Viver é regredir” é um hardcore rápido com riffs bem construidos e criativos, que quebram pra um refrão insano. Na sequência temos “Secular” que fala sobre crimes ambientais, contra a cultura e o assassinato a 80 tiros, em assassinos que acabam sem punição, devido ao sistema. “Artificial” começa com um riff mais pesado sozinho que na sequência ganha o apoio dos demais instrumentos, ganhando corpo, que logo dá lugar ao hardcore que pede por pogo. “Sitiado” é um dos sons mais legais do trabalho, com uma pegada mais crossover. “Imbecilização da Raça” fala sobre a intolerância vinda de pessoas imbecis, com uma sequência de adjetivos com a letra “i”, é o meu som preferido do trabalho. “Na Cruz da Exclusão”, que dá nome ao álbum, é um som que fala sobre polarização e tem um baixo marcante e riffs clássicos do crust, com um tum pá tum pá convidativo ao pogo. Na sequência temos “What Should I Do With My Life”, único som em inglês, que ficou muito bom. A métrica de Gepeto ficou muito bem encaixada e fácil de grudar em nossas cabeças. É o segundo som mais legal do disco. “O.C.E.A.N.” conta com riffs do metal, com a clássica cavalgada, um ótimo som. “Caçador da Noite” começa com um discurso que dá licença a velocidade. Fechando o disco “Tempos de Individualização” fala sobre a perda do senso coletivo e exacerbada individualização dos tempos atuais.
Esse é mais um dos excelentes trabalhos lançados em 2019 (em que as bandas estão inspiradas pelas desgraças do atual governo) e que tem tudo para se tornar um clássico. Parabéns aos envolvidos!
Manger Cadavre? é uma banda de hardcore crust do interior de São Paulo (São José dos Campos e Pindamonhangaba), que possui oito anos de correria e amplo apoio ao underground nacional, seja produzindo eventos, lançando bandas com os selos dos integrantes e com ilustrações do guitarrista. Eles dão uma aula de “Faça Você Mesmo” e se firmam como um dos nomes mais ativos e com qualidade sonora no Brasil. Conversamos um pouco com os integrantes sobre o novo álbum AntiAutoAjuda e sobre a correria de se manter uma banda de forma totalmente independente.
Foto por Stefano Martins
Vocês lançaram um mini doc que retratou como foram os dois dias de gravação do álbum AntiAutoAjuda. Falem um pouco sobre a gravação do disco e sobre a ideia de documentar esse trabalho.
Desde o EP “Senhores da Moral” a gente adotou o Family Mob como o estúdio ideal para registrar o nosso tipo de som. Com eles, aprendemos que gravar ao vivo, com overdubs de guitarra e vocal é forma de manter o som com mais energia e otimizar o tempo de gravação. O Hugo Silva que foi o engenheiro de som responsável pelos 3 últimos trabalhos já conhece bem o nosso estilo e nos ajuda a melhorar sempre. O Otávio que nos assistiu também nos ajudou a ficarmos tranquilos. Como muita gente não entendia como esse processo se dá, nosso amigo/roadie/filmaker/editor João Lucas resolveu registrar todo o processo. Ele nos acompanha desde sempre e foi muito legal. Ele registrou os três últimos ensaios de composição e os dois dias de gravação. Como estávamos bem ensaiados, tudo aconteceu naturalmente. O Family Mob é um dos maiores estúdios de São Paulo e valeu muito a pena gravar lá. Ah, vale ressaltar que conseguimos pagar as despesas da gravação com a venda de material de merch.
Falem um pouco sobre o desenvolvimento da temática do AAA.
Nós passamos o segundo semestre de 2018 em processo de composição, paralelamente aos shows. Isso foi um pouco difícil, pois estávamos estressados com a quantidade de atividades somadas aos problemas pessoas que os quatro estavam enfrentando. Como perdemos alguns amigos e nós mesmos e muitas pessoas próximas estavam em uma situação de adoecimento/sofrimento metal, pensamos em produzir algo que não tivesse um viés niilista, como boa parte das bandas do gênero. No EP “Revide” propusemos que as pessoas se organizassem e revidassem aos avanços do conservadorismo e das práticas neoliberais impostas pelo golpista Michel Temer. No AAA, já em um cenário de sangria, a gente quis abordar as doenças psicológicas causadas pelo capitalismo e propor uma saída, a cura pela luta. Vivemos uma época extremamente individualista e mesmo parte da psicologia coloca que devemos aceitar as coisas e pessoas que não mudam e que isso é ser adulto. O sistema nos coloca em ambientes de superexploração, competitividade, extinção da solidariedade de classe e é impossível sair ileso desse cenário. A narrativa que compõe as letras contaram com apoio teório de leituras da Maria Rita Kehl, Ricardo Antunes, Freud entre outros. A revisão eembasamento foram feitos pelos psicólogos Thiago Bloss (Professor de Psicologia na Uninove) e Elis Cornejo (Prevenção e Posvenção ao Suicídio no Instituto Vita Alere). Ambos participaram do nosso Mini doc. O conceito foi: sentir-se mal é sinal de saúde mental.
Vocês financiaram a gravação com a venda de material de merchandising. Isso é algo formidável nos dias de hoje em que o apoio tem se resumido a likes e compartilhamentos. O que vocês tem a dizer sobre o período atual em que o engajamento em mídias sociais tem se mostrado mais importante que as atividades em espaços coletivos.
Sim! Nós quatro do Manger não temos uma situação financeira muito boa, os quatro trabalham informalmente e as dificuldades são muitas. Felizmente estamos tocando bastante e é nas feirinhas independentes que a venda acontece. Também fizemos uma lojinha virtual, e como por lá é possível parcelar valores no cartão de crédito, muita gente tem adquirido nossos materiais por lá. Sobre o comportamento atual, acreditamos que é um reflexo do individualismo pregado por essa etapa do capitalismo. A exaltação excessiva de selfies, as bolhas criadas por algorítimos, as rivalidades… isso tudo é pensado. No entanto, na contramão desse comportamento, as mídias sociais (apesar de não serem democráticas, pois você tem alcance reduzido, caso não pague anúncios), ajudaram a conectar pessoas e coletivos de todos os cantos do país. Se pensarmos que o Brasil tem dimensões continentais, isso é algo formidável. Nós utilizamos as mídias como braço para a divulgação do nosso trabalho e propagação da mensagem, é um caminho meio que sem volta, mas investimos nosso tempo no offline. Debates, festivais, fanzines, rodas de conversas ainda são formas efetivas de conscientização.
Vocês acabaram de lançar 1200 unidades do AntiAutoAjuda por um coletivo de selos e menos de um mês desse lançamento, anunciaram que mandaram prensar mais 500. Como conseguiram?
O Marcelo (baterista) e o Jonas (baixista) possuem selos (Helena Discos e Poeira Maldita) respectivamente que colaboram muito com o underground nacional. Como é manter um selo na era do streaming? Ainda vale a pena?
Marcelo: Sim, vale muito a pena, pois mesmo com todo material disponível em streaming que existe hoje em dia (o que é muito bom para se conhecer novas bandas), tem um grande público que consome a forma física da música (CD, LP, DVD, Cassete). Dentro do rock e suas diversas vertentes sempre existiu a cultura do colecionar. Sem contar que existem inúmeras bandas no Brasil que são muito boas.
Jonas: Manter um selo é um ato de resistência, e sim vale a pena, pois quem realmente gosta de ter o material físico em mãos, nunca parou de consumir e sabe que sem o apoio dos selos dificilmente as bandas independentes conseguiram lançar seu material. Quem contribui com os selos, contribui com as bandas e contribui diretamente para a cena sobreviver.
Foto por Anderson Chino
O Marcelo Augusto, guitarra da banda, está se destacando como ilustrador com um traço muito foda e desenhos questionadores e políticos para capas de cds e cartazes de shows. Fale um pouco da sua atuação do cenário underground.
Marcelo Augusto: Muito obrigado pelo elogio! Tenho feito ilustrações para bandas do underground desde meados de 2014, e o que começou como algo despretensioso acabou virando profissão. É muito gratificante poder contribuir com o meu trabalho para a divulgação das bandas, seja com arte para flyers ou merchandising, que é algo indispensável para que as bandas mantenham-se ativas. Também é muito legal ver que praticamente todas as bandas que me procuram para elaborar uma ilustração, sempre pedem algo contestador em relação ao atual governo golpista, mostrando que o underground está mobilizado contra a corja bolsonarista. Em breve tem mais ilustrações provocando os conservadores.
Indiquem algumas bandas que vocês curtam e que tem o posicionamento parecido com o de vocês. São muitas, é difícil indicar poucas, mas não podemos deixar de citar a Desalmado (deathgrind), Surra (Thrashpunk), Red Razor (Thrash Metal), Cosmogonia (punk, hardcore), Warkrust (crust), Cruento (Crust Punk), Discorde (Hardcore), Expurgo (grindcore) Mácula (Crust), Brazattack (Hardcore), Fuck Namaste (Fastcore), Klitores Kaos (hardcore), Bad Trip (Hardcore), Terror Revolucionário (Hardcore), Miasthenia (Black Metal), Rastilho (crust), Vasen Kasi (crust), Crânula (death metal), Rest in Chaos (death metal), Facada (grindcore), Re-Animation (crossover), Kultist (Thrash Metal), Eskröta (crossover)… São muitas! Vamos sempre ficar devendo pois a cena brasileira não deve em nada pra gringa.
Considerações finais:
Muito obrigado pelo espaço! Faça você mesmo, sempre.