RESISTÊNCIA! Conheça um pouco da história do selo de Fortaleza Vertigem Discos

Um dos braços fortes no apoio da cena, principalmente para as bandas, são os selos. Eles é que distribuem a música em formato físico, indicam, ajudam a fomentar a cena local e nacional. Um dos grandes trabalhos que temos aqui no Nordeste, é da Vertigem Discos, que é uma iniciativa de apenas três anos, mas muito importante do professor de história Vinicius. Conversamos um pouco com ele sobre o selo, cena e muito mais.

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A Vertigem Discos foi um dos pequenos selos mais ativos no ano de 2019. Para você, o que representa ter um selo? Qual é o sentido que ele possui na sua vida?

Mesmo sendo Professor de História em tempo integral. A música sempre fez parte da minha vida. E a 3 anos resolvi me envolver mais sendo que de outra forma. Ter um selo underground representa fazer parte de algo mais humano, ou seja, não há interesses mercadológicos mirabolantes ao ponto de enxergar uma banda, seus componentes e seu trabalho como cifras. E sim a oportunidade de conhecer pessoas que se esforçam, que lutam, suas histórias de vida, posturas e por aí vai. Hoje a Vertigem Discos é totalmente inserida no meu ritmo frenético e na minha formação enquanto ser humano. Está sendo um caminho muito especial.

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Como surgiu a ideia de ter um selo?

Bom. A Vertigem tem 3 anos e de selo apenas dois. Ela seria uma loja de discos pequena dentro de uma cafeteria idealizada pela minha ex esposa. Como o projeto não deu certo acabei ficando com um acervo básico de Lp’s variados, além dos meus que entraram na roda também. Com isso, parti para as feiras de vinil que existem na cidade de Fortaleza. Depois de um ano comecei a me incomodar porque estava apenas com materiais importados, caros ou de bandas que eu mesmo não curtia, ou seja, tava virando um lance mercadológico demais. Foi aí que comecei a dar sentido as coisas quando passei a pegar apenas materiais independentes tanto em vinil como em CD virando um caçador de selos independentes e de bandas. Descobrir que o Brasil produz coisas incríveis no Underground foi incrível. Em seguida, em um dos eventos que eu levava meus caixotes conheci a Anuska que tem uma loja virtual que hoje é Colab com a Vertigem, a Medusa Store e também é parte integrante do coletivo de mulheres feministas do underground o Girls to The Front. No dia ela amou ter visto o CD da banda Bulimia no caixote e me falou do Coletivo e dos projetos. E foram com esses contatos que descobri toda uma proposta agregadora de selos e bandas no Brasil todo que se juntavam para lançar materiais rateando os custos e se ajudando. O primeiro foi o EP da banda Eskröta “Eticamente Questionável” e hoje são 10 bandas e seus incríveis materiais.

Ter um selo é viável financeiramente falando? As pessoas ainda compram material físico? O investimento que você faz nas bandas retorna?

Não no sentido de lucrar. As vezes (o que é raro) eu reponho o gasto a longo prazo. Compram. O legal de ser um selo underground é que você trabalha na base da insistência, da resistência e indo até as pessoas ou fisicamente ou pela internet. E também o contrário. As pessoas me acham! Até de lugares do Brasil que eu nunca ouvi falar. Tem vezes que em um rolê se vende bem, outros nada. Tem gente que pega meu contato. Tiram fotos de um material que interessou para escutar em casa. Sugerem bandas para eu procurar e viram grandes amigos e apoiadores da Vertigem Discos. O retorno financeiro muito raro. Pego parte da grana do meu trampo de professor e arrisco. O retorno maior são as amizades, parcerias e a ampliação da divulgação.

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Qual é o perfil das pessoas que consomem material físico hoje em dia.

É variado. Geralmente são pessoas próximas ou a cima dos 30 anos. Algumas vezes adolescentes que se aventuram em conhecer as bandas nacionais por causa das postagens.

Entendemos que há um carinho em todos os lançamentos, mas destaque aquele que foi mais importante para você enquanto indivíduo. Fale um pouco sobre ele, qual foi o seu envolvimento, como chegou até a banda, letras, entre outros aspectos que você julga especial.

Nossa difícil. Eu acrescentaria dois. Quebrando as regras kkkkkkkkkkk O Primeiro da banda “O Preço” porque foi um lançamento sozinho de 500 cópias (Uma loucura) mas que me fez transpor uma barreira daquilo que entendo por arriscar. O Christian Targa (Vocal e Guitarra) que foi do Blind Pigs me procurou propondo isso. Achei insanidade, mas quando escutei as músicas que falam de revolta, mensagens positivas em um contexto crítico e não ilusório eu aceitei. Vai demorar um bom tempo pra pagar (rindo de nervoso). Mas não me arrependo. Principalmente porque a banda me dá um apoio e uma moral incrível. Não são aqueles que pedem o suporte e desaparecem. Tornou-se uma parceria mesmo. O segundo que está a caminho de Fortaleza, é o Split Inflamar com quatro bandas de crust com vocal feminino. Manger Cadavre?, No Rest, WarKrust e Vasen Käsi. Escutei no Deezer logo que saiu e foi um impacto porque são gritos de alerta para nossa situação política e são gritos de representatividade e luta feminina. São elas que hoje formam a postura no underground. Fato. Assumem posicionamento abertamente, organizam festivais, denunciam e combatem de frente. Tem que ser respeitado e apoiado sempre. Além de ter feito parte desse projeto graças ao contato com a Nata vocalista da Manger Cadavre? Que desde o lançamento do Anti Auto Ajuda também pelo selo eu considero uma das bandas mais importantes o cenário nacional.

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Quais são os planos para 2020? Já existem lançamentos fechados?

Plano principal é sobreviver mais um ano como tenho feito sempre. Mas dessa vez tentando ir para lugares fora de Fortaleza. Estarei no grande Abril Pro Rock com a Vertigem Discos e pretendo, na medida do possível, atingir outros festivais. Pelo menos na Região Nordeste. Tem a parceria com a Medusa Store e vai rolar camisetas e bonés em breve. Lançamento tem a banda de Thrash daqui a Dead Enemy (ESCUTEM!) que estou ajudando a juntar selos para o lançamento em CD falta apenas um por sinal. E é isso.

Eu já estive no festival ForCaos e pude notar que a cena por aí é bem forte e unida. Conte um pouco sobre o underground daí.

Não só no Ceará mas o Nordeste como um todo tem emergido uma gama de bandas incríveis e em diferentes segmentos musicais. Isso relevando qualidade sonora, material e criatividade. Aqui em Fortaleza existem pessoas que lutam o ano inteiro para movimentar a cidade com festivais e bandas que se esforçam ao máximo para conseguir gravar. Esses espíritos combativos acabam se juntando e fazendo acontecer. Ressalto o papel histórico da ACR (Associação Cearense de Rock) e o incrível trabalho do Coletivo Girls To The Front. E não são os únicos diga-se de passagem. Esses grupos mesmo com os ataques que sofrem pelos cortes e ameaças de fechamento de casas culturais resistem bravamente.

Um selo não é apenas um canal que lança bandas. Os valores são demonstrados desde a curadoria dos lançamentos. Quais são os valores mais importantes da Vertigem Discos?

Ser um selo/distro que apoia e divulga bandas antifascistas, combativas, que se esforçam para que o seu trabalho seja reconhecido não como um produto do mercado mas como uma voz que enfrenta. E claro. Ter significado na vida das pessoas.

Obrigado pelos grandes lançamentos que você ajudou a proporcionar esse ano. Deixe um recado para a galera!

Eu agradeço imensamente ao Colecionador porque nunca imaginaria que responderia uma entrevista. Isso é um marco. Agradeço a todos que cruzam os caminhos da Vertigem Discos desde o começo e apoiam na base da amizade, comprando os materiais, divulgando, sugerindo, conversando e dando aquele combustível para continuar. Sou muito honrado. Grato pelas bandas por termos uma relação muito justa e algumas até de amizade incrível. E a você que leu até aqui. Como faço nas minhas postagens: APOIE AS BANDAS UNDERGROUND E A DISTRO/SELO LOCAL.

Entrevista: Manger Cadavre? fala sobre álbum AntiAutoAjuda e 8 anos de underground

Manger Cadavre? é uma banda de hardcore crust do interior de São Paulo (São José dos Campos e Pindamonhangaba), que possui oito anos de correria e amplo apoio ao underground nacional, seja produzindo eventos, lançando bandas com os selos dos integrantes e com ilustrações do guitarrista. Eles dão uma aula de “Faça Você Mesmo” e se firmam como um dos nomes mais ativos e com qualidade sonora no Brasil. Conversamos um pouco com os integrantes sobre o novo álbum AntiAutoAjuda e sobre a correria de se manter uma banda de forma totalmente independente.

Foto por Stefano Martins

Vocês lançaram um mini doc que retratou como foram os dois dias de gravação do álbum AntiAutoAjuda. Falem um pouco sobre a gravação do disco e sobre a ideia de documentar esse trabalho.

Desde o EP “Senhores da Moral” a gente adotou o Family Mob como o estúdio ideal para registrar o nosso tipo de som. Com eles, aprendemos que gravar ao vivo, com overdubs de guitarra e vocal é forma de manter o som com mais energia e otimizar o tempo de gravação. O Hugo Silva que foi o engenheiro de som responsável pelos 3 últimos trabalhos já conhece bem o nosso estilo e nos ajuda a melhorar sempre. O Otávio que nos assistiu também nos ajudou a ficarmos tranquilos. Como muita gente não entendia como esse processo se dá, nosso amigo/roadie/filmaker/editor João Lucas resolveu registrar todo o processo. Ele nos acompanha desde sempre e foi muito legal. Ele registrou os três últimos ensaios de composição e os dois dias de gravação. Como estávamos bem ensaiados, tudo aconteceu naturalmente. O Family Mob é um dos maiores estúdios de São Paulo e valeu muito a pena gravar lá. Ah, vale ressaltar que conseguimos pagar as despesas da gravação com a venda de material de merch.

Falem um pouco sobre o desenvolvimento da temática do AAA.

Nós passamos o segundo semestre de 2018 em processo de composição, paralelamente aos shows. Isso foi um pouco difícil, pois estávamos estressados com a quantidade de atividades somadas aos problemas pessoas que os quatro estavam enfrentando. Como perdemos alguns amigos e nós mesmos e muitas pessoas próximas estavam em uma situação de adoecimento/sofrimento metal, pensamos em produzir algo que não tivesse um viés niilista, como boa parte das bandas do gênero. No EP “Revide” propusemos que as pessoas se organizassem e revidassem aos avanços do conservadorismo e das práticas neoliberais impostas pelo golpista Michel Temer. No AAA, já em um cenário de sangria, a gente quis abordar as doenças psicológicas causadas pelo capitalismo e propor uma saída, a cura pela luta. Vivemos uma época extremamente individualista e mesmo parte da psicologia coloca que devemos aceitar as coisas e pessoas que não mudam e que isso é ser adulto. O sistema nos coloca em ambientes de superexploração, competitividade, extinção da solidariedade de classe e é impossível sair ileso desse cenário. A narrativa que compõe as letras contaram com apoio teório de leituras da Maria Rita Kehl, Ricardo Antunes, Freud entre outros. A revisão eembasamento foram feitos pelos psicólogos Thiago Bloss (Professor de Psicologia na Uninove) e Elis Cornejo (Prevenção e Posvenção ao Suicídio no Instituto Vita Alere). Ambos participaram do nosso Mini doc. O conceito foi: sentir-se mal é sinal de saúde mental.

Vocês financiaram a gravação com a venda de material de merchandising. Isso é algo formidável nos dias de hoje em que o apoio tem se resumido a likes e compartilhamentos. O que vocês tem a dizer sobre o período atual em que o engajamento em mídias sociais tem se mostrado mais importante que as atividades em espaços coletivos.

Sim! Nós quatro do Manger não temos uma situação financeira muito boa, os quatro trabalham informalmente e as dificuldades são muitas. Felizmente estamos tocando bastante e é nas feirinhas independentes que a venda acontece. Também fizemos uma lojinha virtual, e como por lá é possível parcelar valores no cartão de crédito, muita gente tem adquirido nossos materiais por lá.
Sobre o comportamento atual, acreditamos que é um reflexo do individualismo pregado por essa etapa do capitalismo. A exaltação excessiva de selfies, as bolhas criadas por algorítimos, as rivalidades… isso tudo é pensado. No entanto, na contramão desse comportamento, as mídias sociais (apesar de não serem democráticas, pois você tem alcance reduzido, caso não pague anúncios), ajudaram a conectar pessoas e coletivos de todos os cantos do país. Se pensarmos que o Brasil tem dimensões continentais, isso é algo formidável. Nós utilizamos as mídias como braço para a divulgação do nosso trabalho e propagação da mensagem, é um caminho meio que sem volta, mas investimos nosso tempo no offline. Debates, festivais, fanzines, rodas de conversas ainda são formas efetivas de conscientização.

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Vocês acabaram de lançar 1200 unidades do AntiAutoAjuda por um coletivo de selos e menos de um mês desse lançamento, anunciaram que mandaram prensar mais 500. Como conseguiram?

Sinceramente foi uma grata surpresa a quantidade de vendas que tivemos da nossa cota de CDS e alguns dos selos venderam um número de muito alto logo de cara e nos pediram mais CDs. Acredito que a distribuição por selos em todas as regiões do país ajudaram muito, pois as pessoas podem economizar em frete ou adquirir pessoalmente em eventos. Diferentemente do passado, em que selos e gravadoras mantinham o controle da distribuição e muitas vezes acabavam com material parado, coletivos ajudam em muito na divulgação do trabalho das bandas e na facilitação das vendas. Não temos palavras para agradecer o trabalho duro e sério dos selos Sacrilégio DistroCrust Or Die Collective, Distro & LabelXaninho DiscosElectric Funeral RecordsVertigem DiscosTerceiro Mundo Chaos Discos,Brutal Grind Recs#MetalIslandManaós distro,Helena DiscosResistência Underground Distro e Prod. e #SertaoAttackRecords.

O Marcelo (baterista) e o Jonas (baixista) possuem selos (Helena Discos e Poeira Maldita) respectivamente que colaboram muito com o underground nacional. Como é manter um selo na era do streaming? Ainda vale a pena?

Marcelo: Sim, vale muito a pena, pois mesmo com todo material disponível em streaming que existe hoje em dia (o que é muito bom para se conhecer novas bandas), tem um grande público que consome a forma física da música (CD, LP, DVD, Cassete). Dentro do rock e suas diversas vertentes sempre existiu a cultura do colecionar. Sem contar que existem inúmeras bandas no Brasil que são muito boas.

Jonas: Manter um selo é um ato de resistência, e sim vale a pena, pois quem realmente gosta de ter o material físico em mãos, nunca parou de consumir e sabe que sem o apoio dos selos dificilmente as bandas independentes conseguiram lançar seu material.
Quem contribui com os selos, contribui com as bandas e contribui diretamente para a cena sobreviver.

A imagem pode conter: 1 pessoa, no palco, tocando um instrumento musical e show
Foto por Anderson Chino

O Marcelo Augusto, guitarra da banda, está se destacando como ilustrador com um traço muito foda e desenhos questionadores e políticos para capas de cds e cartazes de shows. Fale um pouco da sua atuação do cenário underground.

Marcelo Augusto: Muito obrigado pelo elogio!
Tenho feito ilustrações para bandas do underground desde meados de 2014, e o que começou como algo despretensioso acabou virando profissão. É muito gratificante poder contribuir com o meu trabalho para a divulgação das bandas, seja com arte para flyers ou merchandising, que é algo indispensável para que as bandas mantenham-se ativas.
Também é muito legal ver que praticamente todas as bandas que me procuram para elaborar uma ilustração, sempre pedem algo contestador em relação ao atual governo golpista, mostrando que o underground está mobilizado contra a corja bolsonarista.
Em breve tem mais ilustrações provocando os conservadores.

Indiquem algumas bandas que vocês curtam e que tem o posicionamento parecido com o de vocês.
São muitas, é difícil indicar poucas, mas não podemos deixar de citar a Desalmado (deathgrind), Surra (Thrashpunk), Red Razor (Thrash Metal), Cosmogonia (punk, hardcore), Warkrust (crust), Cruento (Crust Punk), Discorde (Hardcore), Expurgo (grindcore) Mácula (Crust), Brazattack (Hardcore), Fuck Namaste (Fastcore), Klitores Kaos (hardcore), Bad Trip (Hardcore), Terror Revolucionário (Hardcore), Miasthenia (Black Metal), Rastilho (crust), Vasen Kasi (crust), Crânula (death metal), Rest in Chaos (death metal), Facada (grindcore), Re-Animation (crossover), Kultist (Thrash Metal), Eskröta (crossover)… São muitas! Vamos sempre ficar devendo pois a cena brasileira não deve em nada pra gringa.

Considerações finais:

Muito obrigado pelo espaço! Faça você mesmo, sempre.