MANGER CADAVRE? “AntiAutoAjuda”

Hoje, no dia do trabalhador, a banda de hardcore crust do interior de São Paulo, Manger Cadavre? liberou o seu mais novo trabalho, o álbum “AntiAutoAjuda” nas paltaformas de streaming e com download gratuito pelo bandcamp. A data não poderia ser melhor: AAA é mais que um disco, é uma narrativa, é um manifesto sobre a degradação real do trabalho e que tem consequências diretas na saúde física e psicológica do trabalhador em um sistema cruel, com uma sociedade de consumo.

Esse, que é o primeiro full album da banda, coloca a Manger em um novo grau de maturidade sonora. Eles gravaram nos últimos dias de 2018 no estúdio Family Mob (São Paulo), e contaram com dois dos melhores engenheiros de som do Brasil, Hugo Silva (responsável pela mix impecável) e David Menezes (que trabalha com bandas como Ratos de Porão, Surra, Desalmado…). Sobre a qualidade técnica de produção, a Manger Cadavre? estava nas melhores mãos.

O disco todo é muito bem executado, com destaques ao timbre do baixo de Jonas, que, ao lado do vocal de Nata Nachthenxen (cada vez mais preciso e característico), que dão um brilho especial às músicas. Os riffs que soam ora elementos do neocrust, ora do hardcore tradicional, seguem com uma bateria mais trabalhada que está muito bem preenchida e nos tons que entram em nosso âmago. A dupla de Marcelos trabalhou muito bem.

Antes de falar sobre as letras, vale indicar que você leia as letras pelo bandcamp, pois nessa plataforma, a banda disponibilizou texto adicional, com o qual você é inserido em uma história, na qual as letras estão no contexto.

O trabalho se inicia com “Patologia Sistêmica”, que é um som visceral, introdutório a temática: aquilo tudo que o sistema capitalista faz desenvolver doenças psicológicas como a depressão e ansiedade. Na sequência temos o som “vomitado” intitulado “Produtos do Medo”, no qual a banda apresenta o contexto da distopia neoliberal que cria medos e problemas, aos quais a publicidade vende soluções de consumo. Mesmo nesse momento de análise contextual, a banda já aponta que é preciso se mover. Em seguida temos “Fracasso” e “Caminhos de Ferro”, essa, por sua vez, pelo desenrolar da dinâmica do som e letra nos coloca no sentimento de quem está tendo uma crise de pânico ou ansiedade, até que ocorre uma quebra. Algo está por vir! “Hostil” é uma regravação lançada originalmente no EP “Origem da Queda” e posso dizer sem medo: que evolução. Apesar da estrutura do som ser o mesmo, os instrumentos estão claramente melhor timbrados, executados e a gravação superior. Dentro do contexto do disco, foi uma ótima escolha. Meu som favorito: “Desmascarar as mentiras”. Nessa sexta música temos algo de Obituary no instrumental e vocal que (mesmo que a banda tenha escolhido uma pegada mais hardcore para seguir), deixa claro as influências de death metal e grindcore que também possuem.

Inicio aqui um novo parágrafo pois os três últimos sons merecem um destaque por si só.

Foto por Stefano Martins

Sem estragar as surpresas que o disco esconde, copio aqui o parágrafo que inicia o som “Prefácio”:

“ O mal-estar te salvou de viver uma vida no modo-avião, na qual os cidadãos de bem são cegos e surdos e com o discernimento gravemente afetado. Como ser indiferente em um mundo tão cruel, em que tanta gente sofre? Como subir vidros em semáforos, com medo da violência, onde a gente vê pessoas execradas pelo capitalismo? A herança colonial que perpetua o racismo estrutural. A rotina da exploração, que é uma violência naturalizada, esmagou o que a gente é, e coloca a solidariedade como sinônimo de caridade. Não é! Solidariedade é entender o outro como um companheiro, como um igual e lutar para que ele, para que nós tenhamos uma vida digna. Nos tornamos tecnicamente capazes de fazer coisas que não somos capazes de imaginar. Sonhar? Os tempos são difíceis, mas ainda é possível. E nesse momento é o mal-estar que nos acusa o que resta de humano em nosso corpo. Se livre das receitas prontas de felicidade contidas em guias e livros de autoajuda. Nós somos AntiAutoAjuda. Estar doente de verdade, é estar feliz em sua bolha, com seus privilégios, frente à um mundo miserável. Sentir-se mal, é sinal de excelente saúde mental!”

Eu, particularmente, terminei de ler esse parágrafo com lágrimas nos olhos. Prefácio, que é o som mais hardcore do trabalho, nos convida a ver a realidade por uma outra perspectiva, sem romantização de doenças, mas que nos faz entender que não nos ajustarmos ao sistema não significa que a “peça” com defeito sejamos nós. “Há tempo para os sonhadores” é com certeza o som mais positivo da banda, que possui riffs dissonantes característicos do neocrust, como Wolfbrigade. Fechando o trabalho, entendo as dificuldades que ainda enfrentaremos e com o ser reconhecido, “A Luta como Cura” traz referências de Catharsis, com um vocal destruidor de Nata e backing vocal arrebatador de Caio Augusttus (Desalmado). E mais uma vez: que bateria! E que timbre de baixo mágico!

Desde o título (muito bem escolhido), AntiAutoAjuda é um trabalho reflexivo e que propões mudanças a partir da consciência de classe e encontro da função no ambiente coletivo como parte da cura. É um álbum que vai mexer com você. Vale ainda destacar a bela dedicatória que eles fizeram ao publicar o disco. Veja AQUI.

A arte fantástica foi elaborada pelo guitarrista da banda Marcelo Augusto, e na mesma podemos acompanhar o desenvolvimento das letras.

Com certeza um dos melhores trabalhos lançados em 2019. Extremamente necessário.


“AntiAutoAjuda” terá prensagem em 1000 cópias de CD, lançado pelo coletivo de selos: Sacrilégio Distro, Crust or Die, Xaninho Discos, Eletric Funeral Records, Vertigem Discos, Terceiro Mundo Chaos, Brutal Grind Records, Metal Island, Manaos Distro, Helena Discos, Resistência Underground e Sertão Attack Records.

Confira:
YouTube – https://youtu.be/qlMLuEmeYtY
Bandcamp: http://mangercadavre.bandcamp.com
Deezer: http://www.deezer.com/album/95256392
Spotify: https://spoti.fi/2V7QO1V

Outras plataformas:

Facebook: https://www.facebook.com/mangercadavre/ Instagram: https://www.instagram.com/mangercadavre/ Twitter: http://www.twitter.com/mangercadavre