A Resistência Riot Grrrl do Cosmogonia

O punk/hardcore do Cosmogonia ultrapassa gerações e traz a temática feminista para o meio. Nascida nos anos 90, a banda teve uma importância na história do movimento riot grrrl e, hoje, em uma nova formação, continua levando uma mensagem forte com um som bem definido e com qualidade, além de ocupar os espaços que são delas por direito. Conversamos um pouco sobre a trajetória e a cena com a banda. Confira!

Foto Andréia Assis

Após um hiato de 13 anos, vocês voltaram com força em uma sequência de shows muito grande. Isso ajudou no processo de composição do EP? Falem um pouco sobre o processo de gravação.

Na verdade já tinha som quase pronto quando paramos em 2007. A Teté sempre esteve

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Foto por Maya Melchers

ativa de alguma forma, tocando, criando, compondo. Quando voltamos, a gente já quis trazer músicas novas. Era importante pra gente expressar os nossos sentimentos e musicalidade atual. Nossa música “Mentiras”, apesar de não termos registrado, já era um som de 2006. Fizemos alguns ajustes nela e criamos a “Abusivo” e “Sem Silêncio” logo que retornamos com a banda. A gente não imaginou que iriam rolar tantos shows, foi uma surpresa enorme receber os convites, reencontrar amigos antigos da banda dando força e somando… E aí, enquanto iam rolando os shows, surgiu a “Tempo” e gravamos o EP pelo Experência Family Mob no estúdio Family Mob em São Paulo, o qual selecionou a banda para uma diária no projeto Experiência Family Mob, teve mix e master externas, por Vinícius Buchecha no Estúdio 1100, em Diadema. Pouco depois da gravação do EP, a música “Privilégio” surgiu, que sairá no próximo trabalho nosso, ainda sem data prevista. Mas estamos sempre trabalhando continuamente em novas composições. Estar tocando ativamente, participar de festivais, ir pra estrada tocar fora são vivências que nos dão inspiração para surgirem as letras, melodias, riffs e etc.

A banda já passou por diversas formações, mas de acordo com as publicações de vocês, sempre teve a Elis (membro fundadora) por perto e vocês demonstram uma gratidão. Como é a relação com as ex-integrantes? Como está a formação atual?

Bom, a Elis é o início de tudo! Sem a Elis, Cosmogonia não existiria. Ela é a fundadora e idealizadora de tudo o que a banda é e representa. Ela sempre esteve presente nas nossas decisões, é presente até hoje nessa atual fase da banda. Ela é o nosso elo mais forte com a ideologia e essência da Cosmogonia. A Elis fez parte da nossa formação como mulheres feministas e como seres humanos que almejam uma sociedade mais justa e igualitária. E com ela, diversas mulheres passaram pela banda. Elas deixaram suas marcas, vivências e contribuições para que hoje a gente possa ainda estar aqui resistindo e insistindo em nossa luta e em transmitir nossa mensagem e som. Hoje em dia, graças as redes sociais, tivemos a possibilidade de reviver coisas maravilhosas.  
Quando começamos a retornar, fomos resgatando também toda a história e memória da Cosmogonia. Pedíamos nas redes para as pessoas enviarem registros nosso e fomos recebendo fotos, flyers, mp3, coletâneas, e até a nossa primeira fitinha demo K7 gravada em 1998. Tudo isso fez a gente se reencontrar com diversas pessoas que já passaram pela banda ao longo dos tempos. Tudo isso nos motivou ainda mais a reviver e também é algo que nos atenta ao fato de que não podemos mais parar, de que precisamos continuar o legado de levar nossa mensagem pra quem chega, pra quem junto luta e nos possibilita estar aqui hoje. A formação atual é a Gabi nos vocais, Teté na guitarra e backing vocal e Fernando no baixo. Com a saída recente da Dani, no momento, estamos em fases de teste, buscando uma baterista mulher, então enquanto isso, contamos com a ajuda de dois amigos que se revezam, que são o Nautilus (que também toca na banda TxP com o Fernando nosso baixista) e o Roberto (que atua nas bandas Running Like Lions e Bad Canadians). Eles estão segurando as pontas até encontrarmos nossa diva das baquetas!

Apesar de não fazer parte da banda nos anos 90, vimos em uma entrevista em que a vocalista Gabi diz que acompanhava a banda desde sempre que a Cosmogonia era sua maior inspiração. Fale um pouco sobre o cenário riot dos anos 90.

A Gabi era muito nova naquela época. Ela tinha apenas 14 anos e na medida do possível estava sempre nos rolês promovidos pela Cosmogonia, ou pelas bandas de amigos daquela época. As coisas eram bem diferentes do que era hoje em dia. 
Tanto os rolês como o comportamento das pessoas, o engajamento em causas, e até mesmo a convivência e comunicação com as pessoas era muito diferente do que vivemos hoje. O punk se mobilizava por diversas causas dentro do cenário underground, porém as bandas com mulheres e de mulheres sempre foram excluídas de muitas vivências (como também hoje em dia). Dependíamos muito do contato com amigos para por um festival de pé, pra trocar zines, correspondências pelos correios. A cena, naquela época, girava de uma forma em que éramos total dependente de comunicação assíncrona, então nos preocupávamos mais em termos de apoio às bandas, comprar material, colar nos rolês, e também fazer rolês para ajudar quem mais precisava era muito comum. 
Hoje em dia o fácil acesso ao material e aos rolês, para a maioria das pessoas que estão nos grandes centros não são tão valorizados por aqueles que consomem material. 
Nós vemos isso toda vez que saímos de São Paulo pra tocar. Regiões mais carentes de rolê como cidades do interior e de outros estados estão sempre com a casa cheia, pessoas na medida do possível apoiam, comparecem, compram material, e curtem o que você faz nas redes sociais das bandas. Antigamente o engajamento do público com as causas e com as bandas, era muito maior.

Apesar do movimento empoderar as mulheres no punk rock, havia muita disputa naquela época. Como você avalia as mudanças de comportamento daquela época para a atual? As mulheres estão mais unidas?

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Havia (e ainda há), muita disputa entre as bandas do underground. A Teté, que é a mais antiga e entrou em 2003 teve a vivência dos shows daquela época. Ela inclusive, inicialmente, notou de imediato essa disputa que rolava bastante entre as minas e bandas das minas. Ela não sentia a mesma sororidade que vemos hoje das manas. Havia muita desunião, exclusão, inclusive de fests de mina e também da própria história do Riot no Brasil. Cosmogonia mesmo com toda sua importância e representatividade desde 1993 na cena, por conta de ser uma banda da periferia, que não tinha acesso a gravar material, a produzir vídeos (que também na época era bem mais difícil), acabou por muitas vezes quase que apagada das citações, documentários e etc sobre o movimento Riot brasileiro. Já passamos por situações onde mulheres de outras bandas colavam no rolê pra julgar nossas roupas, nossos equipamentos, rolava até questionamentos se possuíamos conhecimento teórico sobre o movimento feminista! (risos) Não que isso não aconteça hoje, pois ainda continua acontecendo, mas é de uma maneira mais isolada e até camuflada. Mas hoje em dia, quase que em 98% dos casos, as minas colam pra apoiar, curtir o som e tal. Quando retornamos, sentimentos que a conscientização e a união das próprias mulheres entre si está bem mais forte, bem mais evoluída e isso também foi e ainda é extremamente o que nos mantém ativas e com vontade de seguir e focar na banda.

Ano passado e esse ano vocês participaram de dois festivais grandes de hardcore. Como foi a experiência? Vocês acreditam que os produtores estão incluindo as bandas com mulheres por entenderem a necessidade ou ainda tratam como “cota” para calar as cobranças do público?

Sinceramente, infelizmente achamos que muito dessa nova inclusão de bandas feministas e femininas em festivais ainda são “cotas” . Devido ao fato de que o Empoderamento Feminino e o Feminismo serem temas que cada vez mais têm se inserido na grande mídia, nas redes sociais, nas empresas e em diversos espaços, consequentemente chegou também nos grandes festivais. Então, notamos que ainda, as grandes produtoras estão preocupadas com as cobranças. Apesar de termos tido super apoio nos fests, tanto da equipe de produção, técnica, quanto das outras bandas que tocamos, fica visível o quanto ainda é pouco e o quanto ainda falta lutarmos para chegarmos num equilíbrio justo e igualitário. Afinal, é um espaço que também é nosso por direito!  Mas, ao mesmo tempo, os fests maiores nos dão também a maravilhosa possibilidade de mostrar para o público que comparece neles (que não são os mesmos que frequentam os rolês mais undergrounds), que existimos! E que nossa existência, nossas mensagens, nossos pontos de vista e nossa música também precisam fazer parte dos fests. Quando tocamos nesses festivais maiores, buscamos sempre focar sobre o simples fato de estarmos ali e aí vamos tentando plantar a sementinha de que a participação da mulher ainda é muito pequena.  Acreditamos que fazendo isso, a conscientização de que é necessário cada vez mais aumentar as bandas como a nossa vai se difundindo e também vai aumentando as cobranças, fazendo com que cada vez mais, os produtores de festivais tenham sempre que pensar em incluir minorias nesses festivais. 

Quais são os planos futuros da Cosmogonia?

Lançar um álbum full. Ainda é um sonho, mas estamos trabalhando com passinhos pequenos para alcançá-lo. E cair na estrada e fazer o máximo de shows em lugares que antes nunca estivemos é uma vontade grande. E nunca mais parar de tocar. 

A imagem pode conter: 3 pessoas, pessoas em pé e atividades ao ar livre

 Indiquem 5 bandas que vocês ouvem e acham que todo mundo deveria conhecer.

Bioma, Sapataria, HAYZ, Mau Sangue e Vesta 

Qual foi o principal aprendizado nesses anos todos de underground?

De que não estamos sozinhas, que sozinhas não chegamos à lugar nenhum, que não vamos nos calar, não vamos desistir de levar nossa mensagem pro máximo de pessoas possíveis. Que mesmo sendo uma banda de minorias, com mulheres, ainda somos muito privilegiadas, dar um passo atrás e trazer aquelxs que tem mais dificuldades que nós nesse mundão underground injusto e excludente. 

Considerações finais.

Não estaríamos de volta à ativa, principalmente se não fosse a força de canais de comunicação faça você mesmo.
Somos muito gratas por cada um que curtiu, compartilhou, consumiu qualquer tipo de material que tenhamos disponibilizado esses anos todos. Apoiem as bandas com mulheres ou de mulheres. Chamem mulheres fotógrafas, zineiras, designers, técnicas de som, que fazem comida pros seus rolês. Fortaleçam cada minoria que tenta sobreviver no underground. Juntos somos mais fortes.

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